A ortotanásia significa a morte no momento certo. Nem apressada, como no caso da eutanásia, e nem prolongada, como no caso da distanásia. Pode ser definida como onão prolongamento artificial do processo natural de morte, onde o médico, sem provocar diretamente a morte do indivíduo, suspende os tratamentos extraordinários que apenas trariam mais desconforto e sofrimento ao doente, sem melhorias práticas. O objetivo da ortotanásia é contribuir para
que o processo natural de morte desenvolva o seu curso natural. Seu advento
evita prolongamentos irracionais e cruéis da existência do paciente, poupando-o
e a sua família de todo o desgaste que essa situação envolve.
Nesse contexto, ortotanásia e
o cuidado paliativo estão intimamente atrelados, são instrumentos de
preservação da dignidade da vida humana. A visão integral da assistência
oferecida nas unidades onde existe a possibilidade de um trabalho que impeça a
exposição do paciente terminal ao que é desproporcional leva à aceitação da
morte e à valorização da vida. Neste espaço, são gerados reencontros,
reconciliações, reflexões e ações determinantes para a realização do indivíduo
como ser humano. No depoimento dos familiares, as palavras respeito e afeto
aparecem de forma recorrente dentro de uma estrutura cujos pilares são o
tratamento individualizado dos problemas com base no diálogo e na autonomia.
Abaixo temos o depoimento de
MMG, filha de MLB, falecida ao 75 anos,
portadora de câncer que optou pela ortotanásia atrelada a cuidados paliativos:
“Aos 72 anos minha mãe começou
a sangrar, inicialmente pensou que era menstruação, porque era pouco sangue.
Mas, o quadro se complicou, então resolvemos procurar um médico. Como as
consultas e os exames foram feitos pelo SUS, demorou muito até que nos dessem o
diagnóstico de câncer no útero. Além disso, o médico também disse que o caso
dela era grave e precisaria fazer quimioterapia.
Quando eu e minha família
soubemos da notícia ficamos apreensivos e sem pensar duas vezes pedimos ao
médico que começasse o quanto antes a quimioterapia. Mas, esta não foi a
vontade da minha mãe. Apesar de insistirmos, ela teimava em dizer que não
queria ver seu cabelo caindo, que já tinha vivido muito e aproveitado da vida.
Minha mãe preferiu passar os últimos momentos da vida em casa, com a família,
como sempre foi. E com esta decisão, ela assinou os documentos solicitados pelo
hospital, dizendo que não queria o tratamento e tinha consciência dos danos que
isso poderia causar.
Ao sair do hospital minha mãe
voltou pra casa, e voltou, na medida do possível a sua rotina, tomando alguns
medicamentos para aliviar a dor que por vezes parecia insuportável. Mas, ainda
assim lutou contra a doença e permaneceu conosco por mais três anos. Foram três
anos em que pude conviver mais com a minha mãe, valorizar mais a sua presença
sem o estresse de um hospital, sem vê-la sendo furada todos os dias, sem vê-la
triste porque seus poucos cabelos brancos caíram numa quimioterapia.
Hoje eu fico imaginando como
foi sábia a decisão de minha mãe em preferir ir para casa, fazer uso de uns
poucos remédios, talvez ela até sobrevivesse mais tempo usando os inúmeros
medicamentos propostos pelo hospital, mas sem dúvida a qualidade dos seus
últimos dias não seria a mesma”.
A
história da doença e da dor, a história familiar e o exame físico são
especialmente importantes para a formulação diagnóstica. Os instrumentos para
avaliar as características da dor são básicos para a definição e o ajuste das
doses dos tratamentos. Onde dói, quanto dói, como dói, quanto dura, o que piora
e o que melhora são questões básicas a serem feitas com frequência.
Da
identificação do estilo e das estratégias que doentes e familiares utilizam
para o enfrentamento da dor e das situações de estresse, e da percepção desses
de controle e eficácia diante das situações, pode ser proposto o ensino de
novas estratégias, como relaxamento, distração e discussões acerca de controle,
impotência e eficácia.
No
doente oncológico e em seus familiares, o medo da morte, o pesar e o luto
antecipatório estão sempre presentes, em maior ou menor dimensão. Os
profissionais devem se manter atentos, investigar delicadamente esses aspectos
e mostrar disponibilidade para ouvi-los e ampará-los.
O
fluxo de comunicação deve ser estabelecido entre os componentes da equipe. Se a
dor é identificada, mas a informação não circula entre os profissionais, ou
circula de modo irregular e lento, a proposta analgésica ou seu ajuste ficam
comprometidos. As ações a ser realizadas após a identificação da dor ou de sua
piora devem permitir rapidez.
O
que você pode fazer para otimizar a avaliação da dor:
1.Organize
roteiro alicerçado no conceito de multidimensionalidade da dor.
2.Estabeleça
a frequência para a avaliação.
3.Estabeleça
fluxo de comunicação entre os profissionais.
4.Periodicamente
avalie o controle da dor do conjunto dos doentes.
Técnicas não invasivas para o controle da dor
compreendem um conjunto de medidas de ordem educacional, física, emocional,
comportamental e espiritual. São, em sua maioria, de baixo custo e de fácil
aplicação. Significativa parcela pode ser ensinada aos doentes e seus
cuidadores para uso domiciliar de modo eficiente e seguro, pois o risco de
complicações e efeitos indesejáveis é pequeno. Oferecem ao doente senso de
controle da situação, estimulam a responsabilidade e a participação no
tratamento.
Algumas
são instintivas (massageamento do local doloroso), outras são tradicionalmente
ensinadas entre gerações (não pesar na dor, distrair-se, rezar, aplicar calor)
e são de largo uso na população. Talvez a adequação e a maior sistematização no
uso desses métodos possam contribuir para a obtenção de melhores resultados.
Deve-se avaliar a opinião, as crenças, os valores e as preferências do doente/
cuidador para a seleção das intervenções, pois a colaboração deles é condição indispensável
para a implementação das propostas.
Métodos
Físicos
Compreendem
manobras como aplicação de calor frio superficial, técnicas de estimulação elétrica
aplicada à pele (transcutânea), usam de massagens, técnicas de acupressão (do-in),
uso do repouso e exercícios e alongamentos suaves, entre outras. São eficazes e
diversas síndromes álgicas, pois toda dor apresenta componente muscular, devido
às hipertonias musculares resultantes de mecanismos reflexos.
Para
a seleção das técnicas não-invasivas é fundamental conhecer a etiologia da dor
e o local e as estruturas envolvidas(pele, músculos, nervos, ossos ou vísceras).
A aplicação de métodos de estimulação cutânea que podem lesar tecidos (calor,
frio, entre outros) deve ser muitíssimo cautelosa, ou não ser realizadas nos
doentes com alteração de sensibilidade, da cognição e do nível de consciência,
fato comum entre os idosos e naqueles com doenças neurológicas.
Acredita-se
que o calor reduza a dor por diminuir a isquemia tecidual (aumenta o fluxo sanguíneo
e do metabolismo da região), com aumento da elasticidade do tecido, alívio da
rigidez articular, do espasmo muscular e melhora da inflamação superficial
localizada. O calor é aplicado sobre o local da dor por meio das bolsas de água
quente, compressas e pela imersão da área em água quente, com temperatura entre
40ºC a 45ºC, durante 20 a 30 minutos, algumas vezes ao dia (geralmente entre 3
a 4 vezes).
Considera-se
que a ação analgésica do frio esteja relacionada ao espasmo vascular (diminuição
do fluxo sanguíneo local e resultante da diminuição do edema). O frio reduz a
velocidade de condução nervosa, diminuindo a chegada dos estímulos dolorosos ao
SNC e elevando o limiar à dor. O frio alivia o espasmo muscular pela redução
das atividades do fuso muscular e da velocidade de condução dos nervos
periféricos. As ações decorrentes do uso do frio geralmente têm ação mais
duradoura que as advindas do calor.
Massagem
manual pode ser entendida como a aplicação de toque suave ou de forças em
tecidos moles, usualmente músculos, tendões e ligamentos, sem causar movimento
ou mudança de posição da articulação. A massagem para o alívio da dor é um
método intuitivo, de prática muito antiga. Acredita-se que a melhora da
circulação (aumento do fluxo sanguíneo e linfático) relaxa a musculatura no
local de sua aplicação, traz sensação de conforto e de bem-estar ao doente e
alivia a tensão psíquica. Qualquer técnica que utiliza as mãos reforça a
confiança do doente.
Vibração
é um modo de massagem elétrica. Os possíveis mecanismos de ação assemelham-se
aos de massagem e de outros métodos de estimulação cutânea. Pode ser utilizada
para diversos tipos de dor, especialmente as musculares.
O
preparo dos doentes e cuidadores para o uso de qualquer método para o controle
da dor deve ser feito de modo sistemático. A atuação educativa visa torná-los
agentes de autocuidado e participantes conscientes do processo terapêutico.
Pode se realizar em domicílio, em centros de saúde ou em ambulatório,
hospitais, por meio de consultas individuais, discussões em grupo, preleção,
demonstração, filmes, fita cassete, folhetos educativos, entre outros meios.
O
uso de técnicas cognitivo-comportamentais para o controle da dor é calcado nos princípios
de que a dor é, também, um comportamento socialmente aprendido e reforçado pela
interação do indivíduo com o meio ambiente; de que o indivíduo não é receptor
passivo de informações e pode aprender e reaprender comportamentos mais
adaptativos, isto é, que tragam maior funcionalidade e bem-estar.
Acredita-se
que os pensamentos (atitudes, expectativas, crenças entre outros) podem afetar
os processos psicológicos, influenciar o humor determinar comportamentos e ter consequências
sociais. Por outro lado, o humor, os processos emocionais, o ambiente social e
os comportamentos podem influenciar os processo de pensamento
O
que você pode fazer para otimizar o controle da dor:
1.Estimule
a associação de intervenções farmacológicas e não-farmacológicas.
2.Eduque
doentes e cuidadores sobre o plano terapêutico. Avalie a adesão.
3.Investigue
efeitos indesejáveis e proponha ações que os controlem.
4.Avalie
o alívio obtido. Se necessário, reveja o plano de tratamento.
5.Livre-se
do conceito “dor é assim mesmo”, e não desista.
- Por: Matheus V. R. Fonseca Fonte: "Humanização e Cuidados Paliativos", 4ª edição: outubro de 2009; Leo Pessini, Luciana Bertachini.
Por muito
tempo a AIDS foi uma doença que apresentou altíssima taxa de mortalidade,
decorrente da ausência de um tratamento específico e medicamentos eficazes, um
desconhecimento do que realmente era a doença, da rápida evolução das doenças
oportunistas, que não davam tempo para a equipe médica resolver ou mesmo,
amenizar os sintomas. Em decorrência desses fatores e da alta epidemia no seu
início, os médicos passaram a se envolver mais com os aspectos humanos e
sociais do processo de doença e a encararem de perto a inevitabilidade da
morte. Eles se voltaram para a paliação das dores dos pacientes, dando atenção
às suas necessidades físicas, psíquicas, sociais e espirituais, aprenderam a
confortar os doentes na fase inicial da vida. E foi justamente esse enfoque
assistencial, pensando “há muito que fazer pelo paciente, mesmo que não possa
curá-lo”, que foi fundamental para o alívio do sofrimento dos doentes com AIDS
nesses primeiros tempos.
Durante a
assistência aos doentes com AIDS, os cuidados paliativos desempenham um
importante papel, pois envolve não só o alívio da sintomatologia física, como
também a diminuição do sofrimento mental, social e espiritual de pacientes,
familiares e cuidadores. Hoje existem medidas terapêuticas mais eficientes no
seu tratamento, porém, muitos não têm acesso a eles, não sendo beneficiados.
Dessa forma, comprova-se que o fato de existir tratamento eficiente, não
diminui a importância dos cuidados paliativos, pois muitos necessitam de alívio
complementar de seus sintomas com o curso da doença.
A emergência
de novas necessidades na assistência aos pacientes com AIDS ocorre quase ao
mesmo tempo em que o campo de atuação dos cuidados paliativos se alarga,
contemplando não apenas o alívio dos sofrimentos dos doentes em fase terminal,
mas o alívio de sintomas e do desconforto dos doentes em qualquer fase de suas
doenças. Isso é, passa-se a considerar a aplicabilidade dos cuidados paliativos
cada vez mais cedo na evolução de doenças crônicas, muitas vezes
simultaneamente à aplicação de terapêuticas curativas (CLARK, 2002).
Os cuidados
paliativos na AIDS ainda encontram alguns agravantes ou particularidades
relacionados à doença e à população mais afetada por ela, como:
imprevisibilidade do curso (dificuldade prognóstica), coexistência de múltiplas
patologias, polimedicação e grande chance de interações medicamentosas, alta
frequência de transtornos mentais, estigma, alta prevalência de uso de drogas
ilícitas, precariedade da rede social de apoio, adultos jovens em fase terminal
e processo de morte; familiares/cuidadores também doentes.
À medida que a
doença avança, inúmeras doenças oportunas e limitações vão tomando conta do
paciente. De certa forma, a própria ação médica fica limitada, uma vez que, os
profissionais devem inserir tratamento medicamentoso àquelas doenças nas quais
o corpo apresentará respostas, ou ainda, deve-se evitar ao máximo, a realização
de procedimentos invasivos, que venham a comprometes ainda mais o paciente
debilitado. Nessa fase, muitos doentes podem apresentar déficit cognitivo,
depressão, demência etc., resultantes da ação direta do HIV no sistema nervoso
central ou de doenças oportunistas. Portanto, os doentes demandam atenção
constante de seus cuidadores.
É algo comum,
doentes com AIDS conviverem com diversas emoções dolorosas, decorrentes da
doença, como por exemplo: o sentimento de culpa, vergonha, medo da doença, medo
de não conseguir mudar o estilo de vida, arrependimento etc. esses sentimentos
precisam ser reconhecidos e trabalhados para que o paciente possa obter
conforto emocional e espiritual, melhorando seu relacionamento consigo mesmo e
com os outros.
A
confidencialidade das informações (ainda por uma questão de receio e medo ao
preconceito), o respeito claramente expresso nas relações e o desejo de cuidar
e fazer o bem, entre profissionais e familiares para com o paciente, tornam-se
fundamental no tratamento em que se tem como objetivo diminuir o sofrimento e
aumentar o conforto do ser humano.
Assistentes
sociais, psicólogos, adequadamente informados e atuando em conjunto, podem
ajudar pacientes e familiares a buscar as melhores soluções disponíveis para
essas questões, prevenindo o surgimento de reações de estresse e diminuindo
sofrimento. Os cuidados paliativos são a melhor forma de atender às necessidades
do doente sem possibilidade de cura, e complementam o tratamento curativo na
ocorrência de sintomas de difícil controle.
Fonte: "Humanização e Cuidados
Paliativos", 4ª edição: outubro de 2009; Leo Pessini, Luciana Bertachini.
A dor crônica é uma experiência desagradável, conforme abordado pelos colegas no blogando sobre dor,
ela acompanha os pacientes com enfermidades em estágios finais da vida.
Assim, em cuidados paliativos
devemos perguntar ao paciente o que ele julga ser importante realizar na fase
final de sua vida a fim de trabalhar o controle da dor e demais sintomas para
amenizar o sofrimento.
Os cuidados paliativos
consiste numa assistência que envolve dimensões física e emocional, de modo a
reconhecer a espiritualidade ou religiosidade como fonte para o bem estar e de
qualidade de vida para uma boa morte. Vocês podem ler mais sobre a morte no
blog o que é a morte.
Por isso, na medicina moderna há
uma tendência em estudar temas relacionado a espiritualidade.
Contudo, ainda existem médicos
que não respeitam e nem se atentam para as necessidades espirituais de seus
pacientes.
Em pesquisas na população
geral e em médicos dos Estados Unidos, as crenças e o comportamento religioso
foram estudados. Revelou-se que 95% das pessoas acreditam em Deus, 77%
acreditam que os médicos devem considerar as suas crenças espirituais, 73% acreditam
que devem compartilhar as suas crenças religiosas com o profissional médico e
66% demonstram interesse de que o médico pergunte sobre sua espiritualidade. No
entanto, apenas 10% a 20% relataram que os médicos discutiram a espiritualidade
com elas (Larson e Koenig, 2000; Anaya, 2002; Cowan et
al., 2003).
Dessa forma, existem estudos sobre
a relação da espiritualidade relacionado a saúde mental, no qual revelam que
praticantes de atividades religiosas tendem a serem mais saudáveis.
Mas será que a religião não pode
prejudicar o paciente?
De fato
isso pode ocorrer, como? Quando o paciente que tiver pensamentos negativos ou
de culpa, pensar que sua situação se trata de um castigo divino, isso o deixa
com baixa auto estima.
Assim sendo, cuidados
paliativos está interligado à religiosidade e espiritualidade, no qual a equipe
multidisciplinar desempenhará um trabalho específico com o paciente amenizando
os sintomas de dor e transmitindo a tranquilidade e aceitação para uma morte
digna.
PERES, Mario F. P. Revisão da Literatura: A importância da integração da espiritualidade e da
religiosidade no manejo da dor e dos cuidados paliativos. Rev. Psiq. Clín. 34, supl 1; 82-87, 2007.
O tema abordado aponta para a importância das concepções sobre as dimensões do cuidado e do viver humano. Compreender o significado da vida no processo do cuidado inclui não somente atribuições técnicas do profissional, mas capacidade de perceber e compreender o ser humano, como ele está em seu mundo, como desenvolve sua identidade e constrói a sua própria história de vida. Essa inquietação parece presente nas pessoas que cuidam da vida do ser humano no ambiente hospitalar.
" O que a vida do ser humano de que
cuidamos espera dos profissionais?"
Como cada profissional é um ser único, vivendo momentos diferentes é únicos, cada um tem a oferecer um significado em potencial. É óbvio que isso exige, muitas vezes, a renúncia a nossos interesses individuais, para que possamos perceber melhor o coletivo, fator decisivo no processo saúde-doença.
Temos limites que precisam ser superados, ao mesmo tempo em que não somos onipotentes e infalíveis. É preciso, a cada dia, a cada nova e experiência, tentar construir nossa própria identidade, sobre o "pano de fundo" da nossa "missão", que é cuidar da vida dos seres humanos. E a "missão" se completa na satisfação do desempenho profissional, e na busca incessante do resgate da dignidade e do valor da vida.
"Não importa o que nós esperamos da vida,
mas o que ela espera de nós!"
Frankl (2000)
"Quem cuida e se deixa tocar pelo sofrimento humano torna-se um radar de alta sensibilidade, humaniza-se no processo e, para além do conhecimento científico, tem a preciosa chance e o privilégio de crescer em sabedoria. Esta sabedoria nos coloca na rota da valorização e descoberta de que a vida não é um bem a ser privatizado, muito menos um problema a ser resolvido nós circuitos digitais e eletrônicos da informática, mas um dom, a ser vivido e partilhado solidariamente com os outros."
Pessini(2000)
No mundo capitalista e globalizado de hoje, a tecnologia é utilizada com fins econômicos, sobrepujando, muitas vezes, os padrões éticos e técnicos. Todavia, a utilização de técnicas e da tecnologia, no cuidado, não tem sentido se não estiver integrada ao processo relacional.
A natureza complexa desse tema exige dos profissionais questionamentos sobre o significado de sua atuação assim dependente da tecnologia. Não é possível, porém, negá-la ou abandoná-la. Ela faz parte do mundo hospitalar. O que não pode acontecer é relegar a dimensão humana à sombra da tecnologia, priorizando a técnica, o equipamento e a medicação.
No meio acadêmico como nas instituições de saúde, desenvolver o espírito de equipe e estimular o trabalho interdisciplinar, com o objetivo maior de humanizar as relações entre as pessoas.
Por sua complexidade, o ambiente hospitalar impõe a ampliação da discussão com a sociedade, afim de estabelecer um quadro ético de referência para o cuidado humanizado. um caminho possível e adequado para a humanização se constitui, acima de tudo, na presença solidária do profissional, refletida na compreensão e no olhar sensível, aquele olhar de cuidado que desperta, no ser humano, sentimentos de guarida e confiança.
" A solidariedade é algo demasiado indefinido para que se possa alcançá-la facilmente. É uma virtualidade intangível que não dá margem à observação. Para que assuma uma forma apreensível, é preciso que algumas consequências sociais traduzam-na exteriormente... é o conjunto de atitudes e comportamentos que asseguram a coesão e a continuidade da ação coletiva de uma sociedade."
Durkheim(1999)
A valorização da sensibilidade no processo do cuidado é vital, pois conhecimento facilita a relação com o paciente: " a sensibilidade humana é a capacidade de sentir empatia, de se deixar tocar pelas vidas, sofrimento e alegrias, esperanças e desejos de outras pessoas... portadoras de mistérios que transcendem a nossa capacidade racional."
ASSMANN e SUNG(2000)
Para fazer e ser o diferencial nas relações do cuidado humanizado, no ambiente hospitalar, requer-se do profissional da saúde que atue com humanidade, solidariedade, sensibilidade, além de ter postura correta e dignidade de caráter.
Nesse particular, cabem algumas indagações:
Será necessário avaliar a humanização no ambiente hospitalar, tendo em vista a existência de tantos indicadores demonstrando a qualidade dos serviços?
O que deve ser objeto de avaliação, segundo o conceito de humanização?
É possível avaliar a afetividade, a presença solidaria do profissional ao lado do ser humano?
Fonte: "Humanização e Cuidados Paliativos", 4ª edição: outubro de 2009; Leo Pessini, Luciana Bertachini.
Por uma outra visão
da ação terapêutica e do ato educativo
De forma
geral, as ações terapêuticas e educativas estão presas a parâmetros e normas,
de acordo com referências coletivas e consensuais. Porém, para que sejam
efetivas, devem-se considerar as características individuais, como as
especificidades no desenvolvimento, o significado individual dos desvios de
normas, de padrões e dos sintomas que cada um manifesta.
No processo de
desenvolvimento, faz-se necessário a presença de outro ser humano, para a
superação do desamparo. E é esse pré-requisito que vem a constituir a base de
toda a relação terapêutica e educativa, e de onde o cuidar extrai a sua
essência.
Diante disso,
podemos definir os dois tipos de relação. A primeira, terapêutica, é a relação
que se estabelece entre uma pessoa que sofre buscando um alívio e alguém que
supostamente pode aliviá-la, de forma a tentar trazer de volta, um estado
anterior, considerado normal, e que, por distúrbio ou disfunções, desviou o padrão
de equilíbrio. Já a segunda, educativa, é a relação que se estabelece entre o
sujeito que, para desenvolver-se, busca orientação de alguém que seja capaz,
para trazer a ideia de formação, com a aquisição de habilidades e competências.
A educação
traz ao indivíduo a orientação, de acordo com normas e métodos socioculturais
determinados, e a partir disso, constrói-se o conceito de bem – aquilo que se
encaixa nas normas orientadas – e mal – quando não se encaixa dentro das normas
passadas sob orientação.
No entanto, a
maneira como se explicam esses dois conceitos, quanto a sua origem, métodos e
especificidade, trazem à tona uma reflexão sobre a ideia de normalidade,
associada ao desenvolvimento humano, e suas perturbações. Assim, seria
terapêutico sempre priorizar a eliminação de um sintoma ou mesmo aceitar certos
padrões associados à ideia de saúde? Ou ainda, seria educativo tornar
inquestionável a necessidade de adaptação a certas situações de saúde, sem ao
menos, tentar transformá-la?
“Deitado
havia semanas naquele mesmo leito, o olhar no vazio, sem dizer palavra, ele
resistia. Nada mudava. Não melhorava, não piorava. Vivia? (...) Muitos, aos
poucos minguavam na visita. Outros adotaram os monitores como únicos
instrumentos de seu saber.
Diziam os médicos que era tudo o
que restava fazer. Pois tudo já havia sido feito.
(...)
Mas Mariane
persistia. Dia após dia, debruçada à sua cabeceira, acariciava-lhe o braço,
sussurrando-lhe ao ouvido as novidades, noticias daquele mundo que prescindia
de sua presença. Aproveitava cada minuto daquela visita para recordar cenas de
suas vidas. O primeiro encontro, os lugares que juntos conheceram, tudo o que
construíram.
(...)
No
quadragésimo terceiro dia, Jerôme abriu os olhos. (...) O intensivista
aproximou-se para medir seus reflexos. Hesitantes, respondiam. Os marcadores
clínicos indicavam que o organismo começara a reagir. (...) Não pareceu
surpresa quando ele começou a responder-lhe, com dificuldade, tomando ainda
tropegamente a iniciativa de pedir a ela notícias daquele mundo de onde
percebia ter se ausentado.”
A partir desse
trecho, ficam evidenciadas as controvérsias existentes em relação à terapêutica
e a educação, marcadas por concepções de adaptação e modelagem fixados em
padrões e ideais centrados em referências coletivas, que muitas vezes sobrepõem
as individuais, e ainda, a tentativa de eliminação do que se conceitua como
mal, que neste caso, apresenta-se como a tentativa de não aceitar a situação e
tentar revertê-la. Essa visão ainda mostra a alienação existente sobre as normas
e padrões pré-estabelecidos, que muitas vezes, não respeita a necessidade de
compreensão do indivíduo.
A compreensão
do cuidar está justamente no resgate dessa essência de transformar a
aprendizagem ou a terapia. E esse cuidar, que envolve uma relação com outra
pessoa, traz à mente, marcas de
experiências com outros seres humanos, e a depender dessa relação, trará marcas
instituídas de satisfação, frustração, dor, prazer, amor e ódio, complementando
o processo de desenvolvimento e integridade do ser humano.
O que se
observa no doente, é algo que pode ser comparado com o nascimento de um bebê.
Ao nascer, o bebê necessita, obrigatoriamente, de cuidado, amparo e proteção,
fatores que o circundava durante o período intrauterino, e que agora remete
essa ação diretamente à mãe, ou alguém que o possa fazer. O doente fica
submetido ao desconhecido, ao sofrimento, ao novo, numa situação que a doença
traz a ele experiências da mesma natureza do nascer, ou seja, de alguém que
precisa de cuidado e amparo, e que por meio de cuidados, pode-se trazer a
esperança à sua realidade.
Esse cuidado
com o doente, faz com que ele se sinta à vontade e , a partir disso, pode trazer
de volta, muitas de suas lembranças, de momentos bons, planos, conquistas e, dessa
forma, traz a fantasia ao seu mundo, permitindo-o que sonhe. Essa experiência
desempenha um importante papel de permitir com que o doente, de certa forma,
fuja da realidade, amparando-se ao mundo da fantasia. Assim, esse doente passa
a amparar-se em bons pensamentos, permitindo que o seu aspecto psicológico
afaste-se do que vem a configurar como esgotamento físico, uma vez que, o corpo
encontra-se debilitado.
Portanto, o
cuidar caracteriza-se como colocar-se do lado de um sujeito e debruçar-se sobre
a sua dor. E o ato educativo entrelaça-se com o cuidar, uma vez que, o doente
encontra-se com medo, diante do mundo desconhecido da doença e do desamparo, e
é o cuidador quem deve ampará-lo e conduzi-lo a um processo educativo, a
respeito da sua nova realidade e adaptação, permitindo que ele ainda apresente
perspectiva e esperança diante da sua situação.
Fonte: "Humanização e Cuidados Paliativos", 4ª
edição: outubro de 2009; Leo Pessini, Luciana Bertachini.
O tema abordado pelo nosso blog abrange vários aspectos para dar continuidade na vida de uma pessoa com doença terminal.
Assim, abordamos a definição da Organização Mundial da Saúde sobre cuidados paliativos, falamos da autonomia do paciente para escolher os meios de cuidados no fim de sua vida, trouxemos informações sobre o trabalho desenvolvido pelos doutores da alegria e em seguida a definição do que é cuidados paliativos, conforme a visão da fundadora Cicely Saunders e a necessidade dos cuidados paliativos.
Sendo assim, a partir de agora vamos nos ater a temas mais específicos!
O próximo post será sobre:
"O cuidar e o sonhar. Por uma outra visão da ação terapêutica e do ato educativo."