segunda-feira, 8 de junho de 2015

"O cuidar e o sonhar. Por uma outra visão da ação terapêutica e do ato educativo."

O cuidar e o sonhar.

Por uma outra visão da ação terapêutica e do ato educativo

De forma geral, as ações terapêuticas e educativas estão presas a parâmetros e normas, de acordo com referências coletivas e consensuais. Porém, para que sejam efetivas, devem-se considerar as características individuais, como as especificidades no desenvolvimento, o significado individual dos desvios de normas, de padrões e dos sintomas que cada um manifesta.

No processo de desenvolvimento, faz-se necessário a presença de outro ser humano, para a superação do desamparo. E é esse pré-requisito que vem a constituir a base de toda a relação terapêutica e educativa, e de onde o cuidar extrai a sua essência.

Diante disso, podemos definir os dois tipos de relação. A primeira, terapêutica, é a relação que se estabelece entre uma pessoa que sofre buscando um alívio e alguém que supostamente pode aliviá-la, de forma a tentar trazer de volta, um estado anterior, considerado normal, e que, por distúrbio ou disfunções, desviou o padrão de equilíbrio. Já a segunda, educativa, é a relação que se estabelece entre o sujeito que, para desenvolver-se, busca orientação de alguém que seja capaz, para trazer a ideia de formação, com a aquisição de habilidades e competências.

A educação traz ao indivíduo a orientação, de acordo com normas e métodos socioculturais determinados, e a partir disso, constrói-se o conceito de bem – aquilo que se encaixa nas normas orientadas – e mal – quando não se encaixa dentro das normas passadas sob orientação.

No entanto, a maneira como se explicam esses dois conceitos, quanto a sua origem, métodos e especificidade, trazem à tona uma reflexão sobre a ideia de normalidade, associada ao desenvolvimento humano, e suas perturbações. Assim, seria terapêutico sempre priorizar a eliminação de um sintoma ou mesmo aceitar certos padrões associados à ideia de saúde? Ou ainda, seria educativo tornar inquestionável a necessidade de adaptação a certas situações de saúde, sem ao menos, tentar transformá-la?

“Deitado havia semanas naquele mesmo leito, o olhar no vazio, sem dizer palavra, ele resistia. Nada mudava. Não melhorava, não piorava. Vivia? (...) Muitos, aos poucos minguavam na visita. Outros adotaram os monitores como únicos instrumentos de seu saber.
Diziam os médicos que era tudo o que restava fazer. Pois tudo já havia sido feito.
(...)
Mas Mariane persistia. Dia após dia, debruçada à sua cabeceira, acariciava-lhe o braço, sussurrando-lhe ao ouvido as novidades, noticias daquele mundo que prescindia de sua presença. Aproveitava cada minuto daquela visita para recordar cenas de suas vidas. O primeiro encontro, os lugares que juntos conheceram, tudo o que construíram.
(...)
No quadragésimo terceiro dia, Jerôme abriu os olhos. (...) O intensivista aproximou-se para medir seus reflexos. Hesitantes, respondiam. Os marcadores clínicos indicavam que o organismo começara a reagir. (...) Não pareceu surpresa quando ele começou a responder-lhe, com dificuldade, tomando ainda tropegamente a iniciativa de pedir a ela notícias daquele mundo de onde percebia ter se ausentado.”


A partir desse trecho, ficam evidenciadas as controvérsias existentes em relação à terapêutica e a educação, marcadas por concepções de adaptação e modelagem fixados em padrões e ideais centrados em referências coletivas, que muitas vezes sobrepõem as individuais, e ainda, a tentativa de eliminação do que se conceitua como mal, que neste caso, apresenta-se como a tentativa de não aceitar a situação e tentar revertê-la. Essa visão ainda mostra a alienação existente sobre as normas e padrões pré-estabelecidos, que muitas vezes, não respeita a necessidade de compreensão do indivíduo.

A compreensão do cuidar está justamente no resgate dessa essência de transformar a aprendizagem ou a terapia. E esse cuidar, que envolve uma relação com outra pessoa, traz à  mente, marcas de experiências com outros seres humanos, e a depender dessa relação, trará marcas instituídas de satisfação, frustração, dor, prazer, amor e ódio, complementando o processo de desenvolvimento e integridade do ser humano.

O que se observa no doente, é algo que pode ser comparado com o nascimento de um bebê. Ao nascer, o bebê necessita, obrigatoriamente, de cuidado, amparo e proteção, fatores que o circundava durante o período intrauterino, e que agora remete essa ação diretamente à mãe, ou alguém que o possa fazer. O doente fica submetido ao desconhecido, ao sofrimento, ao novo, numa situação que a doença traz a ele experiências da mesma natureza do nascer, ou seja, de alguém que precisa de cuidado e amparo, e que por meio de cuidados, pode-se trazer a esperança à sua realidade.

Esse cuidado com o doente, faz com que ele se sinta à vontade e , a partir disso, pode trazer de volta, muitas de suas lembranças, de momentos bons, planos, conquistas e, dessa forma, traz a fantasia ao seu mundo, permitindo-o que sonhe. Essa experiência desempenha um importante papel de permitir com que o doente, de certa forma, fuja da realidade, amparando-se ao mundo da fantasia. Assim, esse doente passa a amparar-se em bons pensamentos, permitindo que o seu aspecto psicológico afaste-se do que vem a configurar como esgotamento físico, uma vez que, o corpo encontra-se debilitado.

Portanto, o cuidar caracteriza-se como colocar-se do lado de um sujeito e debruçar-se sobre a sua dor. E o ato educativo entrelaça-se com o cuidar, uma vez que, o doente encontra-se com medo, diante do mundo desconhecido da doença e do desamparo, e é o cuidador quem deve ampará-lo e conduzi-lo a um processo educativo, a respeito da sua nova realidade e adaptação, permitindo que ele ainda apresente perspectiva e esperança diante da sua situação.



Fonte: "Humanização e Cuidados Paliativos", 4ª edição: outubro de 2009; Leo Pessini, Luciana Bertachini.

- Por: Johnson Barreto.

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