quarta-feira, 24 de junho de 2015

Você sabe o que é ortotanásia?



A ortotanásia significa a morte no momento certo. Nem apressada, como no caso da eutanásia, e nem prolongada, como no caso da distanásia. Pode ser definida como o não prolongamento artificial do processo natural de morte, onde o médico, sem provocar diretamente a morte do indivíduo, suspende os tratamentos extraordinários que apenas trariam mais desconforto e sofrimento ao doente, sem melhorias práticas.
O objetivo da ortotanásia é contribuir para que o processo natural de morte desenvolva o seu curso natural. Seu advento evita prolongamentos irracionais e cruéis da existência do paciente, poupando-o e a sua família de todo o desgaste que essa situação envolve.
Nesse contexto, ortotanásia e o cuidado paliativo estão intimamente atrelados, são instrumentos de preservação da dignidade da vida humana. A visão integral da assistência oferecida nas unidades onde existe a possibilidade de um trabalho que impeça a exposição do paciente terminal ao que é desproporcional leva à aceitação da morte e à valorização da vida. Neste espaço, são gerados reencontros, reconciliações, reflexões e ações determinantes para a realização do indivíduo como ser humano. No depoimento dos familiares, as palavras respeito e afeto aparecem de forma recorrente dentro de uma estrutura cujos pilares são o tratamento individualizado dos problemas com base no diálogo e na autonomia.
Abaixo temos o depoimento de MMG,  filha de MLB, falecida ao 75 anos, portadora de câncer que optou pela ortotanásia atrelada a cuidados paliativos:
“Aos 72 anos minha mãe começou a sangrar, inicialmente pensou que era menstruação, porque era pouco sangue. Mas, o quadro se complicou, então resolvemos procurar um médico. Como as consultas e os exames foram feitos pelo SUS, demorou muito até que nos dessem o diagnóstico de câncer no útero. Além disso, o médico também disse que o caso dela era grave e precisaria fazer quimioterapia.
Quando eu e minha família soubemos da notícia ficamos apreensivos e sem pensar duas vezes pedimos ao médico que começasse o quanto antes a quimioterapia. Mas, esta não foi a vontade da minha mãe. Apesar de insistirmos, ela teimava em dizer que não queria ver seu cabelo caindo, que já tinha vivido muito e aproveitado da vida. Minha mãe preferiu passar os últimos momentos da vida em casa, com a família, como sempre foi. E com esta decisão, ela assinou os documentos solicitados pelo hospital, dizendo que não queria o tratamento e tinha consciência dos danos que isso poderia causar.
Ao sair do hospital minha mãe voltou pra casa, e voltou, na medida do possível a sua rotina, tomando alguns medicamentos para aliviar a dor que por vezes parecia insuportável. Mas, ainda assim lutou contra a doença e permaneceu conosco por mais três anos. Foram três anos em que pude conviver mais com a minha mãe, valorizar mais a sua presença sem o estresse de um hospital, sem vê-la sendo furada todos os dias, sem vê-la triste porque seus poucos cabelos brancos caíram numa quimioterapia.

Hoje eu fico imaginando como foi sábia a decisão de minha mãe em preferir ir para casa, fazer uso de uns poucos remédios, talvez ela até sobrevivesse mais tempo usando os inúmeros medicamentos propostos pelo hospital, mas sem dúvida a qualidade dos seus últimos dias não seria a mesma”. 


- Por: Paloma O. Dourado


terça-feira, 23 de junho de 2015

Dor oncológica: bases para avaliação e tratamento


A história da doença e da dor, a história familiar e o exame físico são especialmente importantes para a formulação diagnóstica. Os instrumentos para avaliar as características da dor são básicos para a definição e o ajuste das doses dos tratamentos. Onde dói, quanto dói, como dói, quanto dura, o que piora e o que melhora são questões básicas a serem feitas com frequência.

Da identificação do estilo e das estratégias que doentes e familiares utilizam para o enfrentamento da dor e das situações de estresse, e da percepção desses de controle e eficácia diante das situações, pode ser proposto o ensino de novas estratégias, como relaxamento, distração e discussões acerca de controle, impotência e eficácia.

No doente oncológico e em seus familiares, o medo da morte, o pesar e o luto antecipatório estão sempre presentes, em maior ou menor dimensão. Os profissionais devem se manter atentos, investigar delicadamente esses aspectos e mostrar disponibilidade para ouvi-los e ampará-los.

O fluxo de comunicação deve ser estabelecido entre os componentes da equipe. Se a dor é identificada, mas a informação não circula entre os profissionais, ou circula de modo irregular e lento, a proposta analgésica ou seu ajuste ficam comprometidos. As ações a ser realizadas após a identificação da dor ou de sua piora devem permitir rapidez.

O que você pode fazer para otimizar a avaliação da dor:

1.    Organize roteiro alicerçado no conceito de multidimensionalidade da dor.
2.    Estabeleça a frequência para a avaliação.
3.    Estabeleça fluxo de comunicação entre os profissionais.
4.    Periodicamente avalie o controle da dor do conjunto dos doentes.

 Técnicas não invasivas para o controle da dor compreendem um conjunto de medidas de ordem educacional, física, emocional, comportamental e espiritual. São, em sua maioria, de baixo custo e de fácil aplicação. Significativa parcela pode ser ensinada aos doentes e seus cuidadores para uso domiciliar de modo eficiente e seguro, pois o risco de complicações e efeitos indesejáveis é pequeno. Oferecem ao doente senso de controle da situação, estimulam a responsabilidade e a participação no tratamento.

Algumas são instintivas (massageamento do local doloroso), outras são tradicionalmente ensinadas entre gerações (não pesar na dor, distrair-se, rezar, aplicar calor) e são de largo uso na população. Talvez a adequação e a maior sistematização no uso desses métodos possam contribuir para a obtenção de melhores resultados. Deve-se avaliar a opinião, as crenças, os valores e as preferências do doente/ cuidador para a seleção das intervenções, pois a colaboração deles é condição indispensável para a implementação das propostas.  

Métodos Físicos

Compreendem manobras como aplicação de calor frio superficial, técnicas de estimulação elétrica aplicada à pele (transcutânea), usam de massagens, técnicas de acupressão (do-in), uso do repouso e exercícios e alongamentos suaves, entre outras. São eficazes e diversas síndromes álgicas, pois toda dor apresenta componente muscular, devido às hipertonias musculares resultantes de mecanismos reflexos.

Para a seleção das técnicas não-invasivas é fundamental conhecer a etiologia da dor e o local e as estruturas envolvidas(pele, músculos, nervos, ossos ou vísceras). A aplicação de métodos de estimulação cutânea que podem lesar tecidos (calor, frio, entre outros) deve ser muitíssimo cautelosa, ou não ser realizadas nos doentes com alteração de sensibilidade, da cognição e do nível de consciência, fato comum entre os idosos e naqueles com doenças neurológicas.

Acredita-se que o calor reduza a dor por diminuir a isquemia tecidual (aumenta o fluxo sanguíneo e do metabolismo da região), com aumento da elasticidade do tecido, alívio da rigidez articular, do espasmo muscular e melhora da inflamação superficial localizada. O calor é aplicado sobre o local da dor por meio das bolsas de água quente, compressas e pela imersão da área em água quente, com temperatura entre 40ºC a 45ºC, durante 20 a 30 minutos, algumas vezes ao dia (geralmente entre 3 a 4 vezes).

Considera-se que a ação analgésica do frio esteja relacionada ao espasmo vascular (diminuição do fluxo sanguíneo local e resultante da diminuição do edema). O frio reduz a velocidade de condução nervosa, diminuindo a chegada dos estímulos dolorosos ao SNC e elevando o limiar à dor. O frio alivia o espasmo muscular pela redução das atividades do fuso muscular e da velocidade de condução dos nervos periféricos. As ações decorrentes do uso do frio geralmente têm ação mais duradoura que as advindas do calor.

Massagem manual pode ser entendida como a aplicação de toque suave ou de forças em tecidos moles, usualmente músculos, tendões e ligamentos, sem causar movimento ou mudança de posição da articulação. A massagem para o alívio da dor é um método intuitivo, de prática muito antiga. Acredita-se que a melhora da circulação (aumento do fluxo sanguíneo e linfático) relaxa a musculatura no local de sua aplicação, traz sensação de conforto e de bem-estar ao doente e alivia a tensão psíquica. Qualquer técnica que utiliza as mãos reforça a confiança do doente.

Vibração é um modo de massagem elétrica. Os possíveis mecanismos de ação assemelham-se aos de massagem e de outros métodos de estimulação cutânea. Pode ser utilizada para diversos tipos de dor, especialmente as musculares.

O preparo dos doentes e cuidadores para o uso de qualquer método para o controle da dor deve ser feito de modo sistemático. A atuação educativa visa torná-los agentes de autocuidado e participantes conscientes do processo terapêutico. Pode se realizar em domicílio, em centros de saúde ou em ambulatório, hospitais, por meio de consultas individuais, discussões em grupo, preleção, demonstração, filmes, fita cassete, folhetos educativos, entre outros meios.        

O uso de técnicas cognitivo-comportamentais para o controle da dor é calcado nos princípios de que a dor é, também, um comportamento socialmente aprendido e reforçado pela interação do indivíduo com o meio ambiente; de que o indivíduo não é receptor passivo de informações e pode aprender e reaprender comportamentos mais adaptativos, isto é, que tragam maior funcionalidade e bem-estar.

Acredita-se que os pensamentos (atitudes, expectativas, crenças entre outros) podem afetar os processos psicológicos, influenciar o humor determinar comportamentos e ter consequências sociais. Por outro lado, o humor, os processos emocionais, o ambiente social e os comportamentos podem influenciar os processo de pensamento

O que você pode fazer para otimizar o controle da dor:

1.    Estimule a associação de intervenções farmacológicas e não-farmacológicas.
2.    Eduque doentes e cuidadores sobre o plano terapêutico. Avalie a adesão.
3.    Investigue efeitos indesejáveis e proponha ações que os controlem.
4.    Avalie o alívio obtido. Se necessário, reveja o plano de tratamento.
5.    Livre-se do conceito “dor é assim mesmo”, e não desista.



- Por: Matheus V. R. Fonseca 


Fonte: "Humanização e Cuidados Paliativos", 4ª edição: outubro de 2009; Leo Pessini, Luciana Bertachini.

domingo, 14 de junho de 2015

Cuidados paliativos na assistência a doentes com AIDS

Por muito tempo a AIDS foi uma doença que apresentou altíssima taxa de mortalidade, decorrente da ausência de um tratamento específico e medicamentos eficazes, um desconhecimento do que realmente era a doença, da rápida evolução das doenças oportunistas, que não davam tempo para a equipe médica resolver ou mesmo, amenizar os sintomas. Em decorrência desses fatores e da alta epidemia no seu início, os médicos passaram a se envolver mais com os aspectos humanos e sociais do processo de doença e a encararem de perto a inevitabilidade da morte. Eles se voltaram para a paliação das dores dos pacientes, dando atenção às suas necessidades físicas, psíquicas, sociais e espirituais, aprenderam a confortar os doentes na fase inicial da vida. E foi justamente esse enfoque assistencial, pensando “há muito que fazer pelo paciente, mesmo que não possa curá-lo”, que foi fundamental para o alívio do sofrimento dos doentes com AIDS nesses primeiros tempos. 
Durante a assistência aos doentes com AIDS, os cuidados paliativos desempenham um importante papel, pois envolve não só o alívio da sintomatologia física, como também a diminuição do sofrimento mental, social e espiritual de pacientes, familiares e cuidadores. Hoje existem medidas terapêuticas mais eficientes no seu tratamento, porém, muitos não têm acesso a eles, não sendo beneficiados. Dessa forma, comprova-se que o fato de existir tratamento eficiente, não diminui a importância dos cuidados paliativos, pois muitos necessitam de alívio complementar de seus sintomas com o curso da doença.
A emergência de novas necessidades na assistência aos pacientes com AIDS ocorre quase ao mesmo tempo em que o campo de atuação dos cuidados paliativos se alarga, contemplando não apenas o alívio dos sofrimentos dos doentes em fase terminal, mas o alívio de sintomas e do desconforto dos doentes em qualquer fase de suas doenças. Isso é, passa-se a considerar a aplicabilidade dos cuidados paliativos cada vez mais cedo na evolução de doenças crônicas, muitas vezes simultaneamente à aplicação de terapêuticas curativas (CLARK, 2002).


Os cuidados paliativos na AIDS ainda encontram alguns agravantes ou particularidades relacionados à doença e à população mais afetada por ela, como: imprevisibilidade do curso (dificuldade prognóstica), coexistência de múltiplas patologias, polimedicação e grande chance de interações medicamentosas, alta frequência de transtornos mentais, estigma, alta prevalência de uso de drogas ilícitas, precariedade da rede social de apoio, adultos jovens em fase terminal e processo de morte; familiares/cuidadores também doentes.
À medida que a doença avança, inúmeras doenças oportunas e limitações vão tomando conta do paciente. De certa forma, a própria ação médica fica limitada, uma vez que, os profissionais devem inserir tratamento medicamentoso àquelas doenças nas quais o corpo apresentará respostas, ou ainda, deve-se evitar ao máximo, a realização de procedimentos invasivos, que venham a comprometes ainda mais o paciente debilitado. Nessa fase, muitos doentes podem apresentar déficit cognitivo, depressão, demência etc., resultantes da ação direta do HIV no sistema nervoso central ou de doenças oportunistas. Portanto, os doentes demandam atenção constante de seus cuidadores.
É algo comum, doentes com AIDS conviverem com diversas emoções dolorosas, decorrentes da doença, como por exemplo: o sentimento de culpa, vergonha, medo da doença, medo de não conseguir mudar o estilo de vida, arrependimento etc. esses sentimentos precisam ser reconhecidos e trabalhados para que o paciente possa obter conforto emocional e espiritual, melhorando seu relacionamento consigo mesmo e com os outros.
A confidencialidade das informações (ainda por uma questão de receio e medo ao preconceito), o respeito claramente expresso nas relações e o desejo de cuidar e fazer o bem, entre profissionais e familiares para com o paciente, tornam-se fundamental no tratamento em que se tem como objetivo diminuir o sofrimento e aumentar o conforto do ser humano.
Assistentes sociais, psicólogos, adequadamente informados e atuando em conjunto, podem ajudar pacientes e familiares a buscar as melhores soluções disponíveis para essas questões, prevenindo o surgimento de reações de estresse e diminuindo sofrimento. Os cuidados paliativos são a melhor forma de atender às necessidades do doente sem possibilidade de cura, e complementam o tratamento curativo na ocorrência de sintomas de difícil controle.   

 Fonte: "Humanização e Cuidados Paliativos", 4ª edição: outubro de 2009; Leo Pessini, Luciana Bertachini.


- Por: Johnson Barreto.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

A dor, a fé e a vida.




A dor crônica é uma  experiência  desagradável, conforme abordado pelos colegas no blogando sobre dor, ela acompanha os pacientes com enfermidades em estágios finais da vida.
Assim, em cuidados paliativos devemos perguntar ao paciente o que ele julga ser importante realizar na fase final de sua vida a fim de trabalhar o controle da dor e demais sintomas para amenizar o sofrimento.
Os cuidados paliativos consiste numa assistência que envolve dimensões física e emocional, de modo a reconhecer a espiritualidade ou religiosidade como fonte para o bem estar e de qualidade de vida para uma boa morte. Vocês podem ler mais sobre a morte no blog o que é a morte.
Por isso, na medicina moderna há uma tendência em estudar temas relacionado a espiritualidade.
Contudo, ainda existem médicos que não respeitam e nem se atentam para as necessidades espirituais de seus pacientes.

Em pesquisas na população geral e em médicos dos Estados Unidos, as crenças e o comportamento religioso foram estudados. Revelou-se que 95% das pessoas acreditam em Deus, 77% acreditam que os médicos devem considerar as suas crenças espirituais, 73% acreditam que devem compartilhar as suas crenças religiosas com o profissional médico e 66% demonstram interesse de que o médico pergunte sobre sua espiritualidade. No entanto, apenas 10% a 20% relataram que os médicos discutiram a espiritualidade com elas (Larson e Koenig, 2000; Anaya, 2002; Cowan et al., 2003).

Dessa forma, existem estudos sobre a relação da espiritualidade relacionado a saúde mental, no qual revelam que praticantes de atividades religiosas tendem a serem mais saudáveis.
Mas será que a religião não pode prejudicar o paciente?
De fato isso pode ocorrer, como? Quando o paciente que tiver pensamentos negativos ou de culpa, pensar que sua situação se trata de um castigo divino, isso o deixa com baixa auto estima.

Assim sendo, cuidados paliativos está interligado à religiosidade e espiritualidade, no qual a equipe multidisciplinar desempenhará um trabalho específico com o paciente amenizando os sintomas de dor e transmitindo a tranquilidade e aceitação para uma morte digna.

PERES, Mario F. P. Revisão da Literatura: A importância da integração da espiritualidade e da religiosidade no manejo da dor e dos cuidados paliativos. Rev. Psiq. Clín. 34, supl 1; 82-87, 2007.


Leila G.C. Latta


quarta-feira, 10 de junho de 2015

Humanização do cuidado no ambiente hospitalar


O tema abordado aponta para a importância das concepções sobre as dimensões do cuidado e do viver humano. Compreender o significado da vida no processo do cuidado inclui não somente atribuições técnicas do profissional, mas capacidade de perceber e compreender o ser humano, como ele está em seu mundo, como desenvolve sua identidade e constrói a sua própria história de vida. Essa inquietação parece presente nas pessoas que cuidam da vida do ser humano no ambiente hospitalar.

" O que a vida do ser humano de que
 cuidamos espera dos profissionais?"

Como cada profissional é um ser único, vivendo momentos diferentes é únicos, cada um tem a oferecer um significado em potencial. É óbvio que isso exige, muitas vezes, a renúncia a nossos interesses individuais, para que possamos perceber melhor o coletivo, fator decisivo no processo saúde-doença.

Temos limites que precisam ser superados, ao mesmo tempo em que não somos onipotentes e infalíveis. É preciso, a cada dia, a cada nova e experiência, tentar construir nossa própria identidade, sobre o "pano de fundo" da nossa "missão", que é cuidar da vida dos seres humanos. E a "missão" se completa na satisfação do desempenho profissional, e na busca incessante do resgate da dignidade e do valor da vida.

"Não importa o que nós esperamos da vida, 
mas o que ela espera de nós!"
Frankl (2000)

"Quem cuida e se deixa tocar pelo sofrimento humano torna-se um radar de alta sensibilidade, humaniza-se no processo e, para além do conhecimento científico, tem a preciosa chance e o privilégio de crescer em sabedoria. Esta sabedoria nos coloca na rota da valorização e descoberta de que a vida não é um bem a ser privatizado, muito menos um problema a ser resolvido nós circuitos digitais e eletrônicos da informática, mas um dom, a ser vivido e partilhado solidariamente com os outros."
Pessini(2000)

No mundo capitalista e globalizado de hoje, a tecnologia é utilizada com fins econômicos, sobrepujando, muitas vezes, os padrões éticos e técnicos. Todavia, a utilização de técnicas e da tecnologia, no cuidado, não tem sentido se não estiver integrada ao processo relacional.


A natureza complexa desse tema exige dos profissionais questionamentos sobre o significado de sua atuação assim dependente da tecnologia. Não é possível, porém, negá-la ou abandoná-la. Ela faz parte do mundo hospitalar. O que não pode acontecer é relegar a dimensão humana à sombra da tecnologia, priorizando a técnica, o equipamento e a medicação.

No meio acadêmico como nas instituições de saúde, desenvolver o espírito de equipe e estimular o trabalho interdisciplinar, com o objetivo maior de humanizar as relações entre as pessoas.
Por sua complexidade, o ambiente hospitalar impõe a ampliação da discussão com a sociedade, afim de estabelecer um quadro ético de referência para o cuidado humanizado. um caminho possível e adequado para a humanização se constitui, acima de tudo, na presença solidária do profissional, refletida na compreensão e no olhar sensível, aquele olhar de cuidado que desperta, no ser humano, sentimentos de guarida e confiança.

" A solidariedade é algo demasiado indefinido para que se possa alcançá-la facilmente. É uma virtualidade intangível que não dá margem à observação. Para que assuma uma forma apreensível, é preciso que algumas consequências sociais traduzam-na exteriormente... é o conjunto de atitudes e comportamentos que asseguram a coesão e a continuidade da ação coletiva de uma sociedade."
Durkheim(1999)


A valorização da sensibilidade no processo do cuidado é vital, pois conhecimento facilita a relação com o paciente: " a sensibilidade humana é a capacidade de sentir empatia, de se deixar tocar pelas vidas, sofrimento e alegrias, esperanças e desejos de outras pessoas... portadoras de mistérios que transcendem a nossa capacidade racional."
 ASSMANN e SUNG(2000)

Para fazer e ser o diferencial nas relações do cuidado humanizado, no ambiente hospitalar, requer-se do profissional da saúde que atue com humanidade, solidariedade, sensibilidade, além de ter postura correta e dignidade de caráter.


 Nesse particular, cabem algumas indagações:

Será necessário avaliar a humanização no ambiente hospitalar, tendo em vista a existência de tantos indicadores demonstrando a qualidade dos serviços?

O que deve ser objeto de avaliação, segundo o conceito de humanização?

É possível avaliar a afetividade, a presença solidaria do profissional ao lado do ser humano? 



Fonte: "Humanização e Cuidados Paliativos", 4ª edição: outubro de 2009; Leo Pessini, Luciana Bertachini.

- Por: Matheus V. R. Fonseca



segunda-feira, 8 de junho de 2015

"O cuidar e o sonhar. Por uma outra visão da ação terapêutica e do ato educativo."

O cuidar e o sonhar.

Por uma outra visão da ação terapêutica e do ato educativo

De forma geral, as ações terapêuticas e educativas estão presas a parâmetros e normas, de acordo com referências coletivas e consensuais. Porém, para que sejam efetivas, devem-se considerar as características individuais, como as especificidades no desenvolvimento, o significado individual dos desvios de normas, de padrões e dos sintomas que cada um manifesta.

No processo de desenvolvimento, faz-se necessário a presença de outro ser humano, para a superação do desamparo. E é esse pré-requisito que vem a constituir a base de toda a relação terapêutica e educativa, e de onde o cuidar extrai a sua essência.

Diante disso, podemos definir os dois tipos de relação. A primeira, terapêutica, é a relação que se estabelece entre uma pessoa que sofre buscando um alívio e alguém que supostamente pode aliviá-la, de forma a tentar trazer de volta, um estado anterior, considerado normal, e que, por distúrbio ou disfunções, desviou o padrão de equilíbrio. Já a segunda, educativa, é a relação que se estabelece entre o sujeito que, para desenvolver-se, busca orientação de alguém que seja capaz, para trazer a ideia de formação, com a aquisição de habilidades e competências.

A educação traz ao indivíduo a orientação, de acordo com normas e métodos socioculturais determinados, e a partir disso, constrói-se o conceito de bem – aquilo que se encaixa nas normas orientadas – e mal – quando não se encaixa dentro das normas passadas sob orientação.

No entanto, a maneira como se explicam esses dois conceitos, quanto a sua origem, métodos e especificidade, trazem à tona uma reflexão sobre a ideia de normalidade, associada ao desenvolvimento humano, e suas perturbações. Assim, seria terapêutico sempre priorizar a eliminação de um sintoma ou mesmo aceitar certos padrões associados à ideia de saúde? Ou ainda, seria educativo tornar inquestionável a necessidade de adaptação a certas situações de saúde, sem ao menos, tentar transformá-la?

“Deitado havia semanas naquele mesmo leito, o olhar no vazio, sem dizer palavra, ele resistia. Nada mudava. Não melhorava, não piorava. Vivia? (...) Muitos, aos poucos minguavam na visita. Outros adotaram os monitores como únicos instrumentos de seu saber.
Diziam os médicos que era tudo o que restava fazer. Pois tudo já havia sido feito.
(...)
Mas Mariane persistia. Dia após dia, debruçada à sua cabeceira, acariciava-lhe o braço, sussurrando-lhe ao ouvido as novidades, noticias daquele mundo que prescindia de sua presença. Aproveitava cada minuto daquela visita para recordar cenas de suas vidas. O primeiro encontro, os lugares que juntos conheceram, tudo o que construíram.
(...)
No quadragésimo terceiro dia, Jerôme abriu os olhos. (...) O intensivista aproximou-se para medir seus reflexos. Hesitantes, respondiam. Os marcadores clínicos indicavam que o organismo começara a reagir. (...) Não pareceu surpresa quando ele começou a responder-lhe, com dificuldade, tomando ainda tropegamente a iniciativa de pedir a ela notícias daquele mundo de onde percebia ter se ausentado.”


A partir desse trecho, ficam evidenciadas as controvérsias existentes em relação à terapêutica e a educação, marcadas por concepções de adaptação e modelagem fixados em padrões e ideais centrados em referências coletivas, que muitas vezes sobrepõem as individuais, e ainda, a tentativa de eliminação do que se conceitua como mal, que neste caso, apresenta-se como a tentativa de não aceitar a situação e tentar revertê-la. Essa visão ainda mostra a alienação existente sobre as normas e padrões pré-estabelecidos, que muitas vezes, não respeita a necessidade de compreensão do indivíduo.

A compreensão do cuidar está justamente no resgate dessa essência de transformar a aprendizagem ou a terapia. E esse cuidar, que envolve uma relação com outra pessoa, traz à  mente, marcas de experiências com outros seres humanos, e a depender dessa relação, trará marcas instituídas de satisfação, frustração, dor, prazer, amor e ódio, complementando o processo de desenvolvimento e integridade do ser humano.

O que se observa no doente, é algo que pode ser comparado com o nascimento de um bebê. Ao nascer, o bebê necessita, obrigatoriamente, de cuidado, amparo e proteção, fatores que o circundava durante o período intrauterino, e que agora remete essa ação diretamente à mãe, ou alguém que o possa fazer. O doente fica submetido ao desconhecido, ao sofrimento, ao novo, numa situação que a doença traz a ele experiências da mesma natureza do nascer, ou seja, de alguém que precisa de cuidado e amparo, e que por meio de cuidados, pode-se trazer a esperança à sua realidade.

Esse cuidado com o doente, faz com que ele se sinta à vontade e , a partir disso, pode trazer de volta, muitas de suas lembranças, de momentos bons, planos, conquistas e, dessa forma, traz a fantasia ao seu mundo, permitindo-o que sonhe. Essa experiência desempenha um importante papel de permitir com que o doente, de certa forma, fuja da realidade, amparando-se ao mundo da fantasia. Assim, esse doente passa a amparar-se em bons pensamentos, permitindo que o seu aspecto psicológico afaste-se do que vem a configurar como esgotamento físico, uma vez que, o corpo encontra-se debilitado.

Portanto, o cuidar caracteriza-se como colocar-se do lado de um sujeito e debruçar-se sobre a sua dor. E o ato educativo entrelaça-se com o cuidar, uma vez que, o doente encontra-se com medo, diante do mundo desconhecido da doença e do desamparo, e é o cuidador quem deve ampará-lo e conduzi-lo a um processo educativo, a respeito da sua nova realidade e adaptação, permitindo que ele ainda apresente perspectiva e esperança diante da sua situação.



Fonte: "Humanização e Cuidados Paliativos", 4ª edição: outubro de 2009; Leo Pessini, Luciana Bertachini.

- Por: Johnson Barreto.

domingo, 7 de junho de 2015

Próximo post será...

O tema abordado pelo nosso blog abrange vários aspectos para dar continuidade na vida de uma pessoa com doença terminal.

Assim, abordamos a definição da Organização Mundial da Saúde sobre cuidados paliativos, falamos da autonomia do paciente para escolher os meios de cuidados no fim de sua vida, trouxemos informações sobre o trabalho desenvolvido pelos doutores da alegria e em seguida a definição do que é cuidados paliativos, conforme a visão da fundadora Cicely Saunders e a necessidade dos cuidados paliativos.

Sendo assim, a partir de agora vamos nos ater a temas mais específicos!

O próximo post será sobre:


"O cuidar e o sonhar. Por uma outra visão da ação terapêutica e do ato educativo."




e logo em seguida: 

"Humanização do cuidado
 no ambiente hospitalar"